Alergia alimentar: casos aumentam quase 30% ao ano, aponta estudo
Um estudo realizado no estado de Illinois, nos Estados Unidos, pela Universidade Northwestern, mostrou que, nos últimos cinco anos, o número de internações e consultas hospitalares decorrentes de crises alérgicas causadas por alimentos aumentou cerca de 30% ao ano. A pesquisa analisou dados de 1.893 ocorrências em prontos-socorros de 200 hospitais do estado, de 2008 a 2012.
“Há um aumento global no número de casos de alergia em diversas partes do mundo”, explica Mário C. Vieira, gastroenterologista pediátrico do Hospital Pequeno Príncipe (PR). Há vários motivos que podem contribuir essa estatística, dentre eles, “fatores ambientais, como as alterações na microbiota intestinal (por uso excessivo de antibióticos, medicamentos inibidores de ácido gástrico, aumento dos nascimentos por cesariana), exposição a alimentos industrializados e processados e baixos índices de aleitamento materno”, explica.
Existe também uma hipótese que tenta explicar a proliferação de alergias nos países desenvolvidos, segundo a qual ambientes excessivamente limpos seriam os responsáveis por uma espécie de enfraquecimento do sistema de defesa do organismo. “Essa teoria sugere que a exposição a micro-organismos nas primeiras fases da vida é importante para o ‘treinamento’ do sistema imunológico, nos protegendo de bactérias e vírus nocivos e adquirindo tolerância a agentes que devem ser inofensivos, como as proteínas alimentares”, explica Vieira. Apesar de fazer sentido, essa hipótese é bastante criticada porque, mesmo em países cujo saneamento básico é bastante deficitário, os casos de alergia também têm aumentado.
Para o principal autor do estudo, o médico Ruchi Gupta, professor de pediatria na Escola de Medicina Feinberg da Universidade Northwestern Feinberg, os resultados provam que as alergias alimentares graves estão afetando crianças de todas as raças e níveis sociais. “Já não é essencialmente uma doença de crianças brancas ou de famílias de renda média-alta. Ninguém está imune”, declarou. Anteriormente, pesquisas apontavam que as alergias alimentares eram mais incomuns em crianças de classes mais baixas e de origem hispânica.
A literatura médica estima que esse tipo de alergia afete menos de 10% da população global, sendo, em média, 8% das crianças e 5% dos adultos.
Alergias alimentares são uma resposta exagerada do organismo a determinados tipos de alimentos. “De uma forma geral, qualquer alimento pode provocar alergia. Em crianças, as proteínas do leite de vaca, do ovo, do trigo, das sementes oleaginosas (amendoim e castanhas) e frutos do mar são os causadores mais frequentes”, explica Vieira. A reação alérgica pode acontecer imediatamente ao consumo ou até mesmo horas depois que o alimento foi ingerido, o que dificulta o diagnóstico.
Para Bárbara G. Silva, alergologista do Fleury Medicina e Saúde, é importante estabelecer a diferença entre alergia e intolerância alimentar. “Define-se alergia como uma reação adversa a um alimento, cuja resposta é imunológica e reprodutível pela nova exposição. Já a intolerância se caracteriza por reação não-imunológica.” Isso significa que, no caso das alergias, o organismo ataca aquela substância considerada estranha praticamente da mesma forma como faz com um micro-organismo agressor, acionando todo o sistema de defesa do organismo. Já, quando se trata da intolerância alimentar, a substância que não é digerida pelo organismo tende a se acumular, provocando sintomas como dores abdominais, gases, diarreia e até enjoos e vômitos. No caso do leite, por exemplo, a intolerância é caracterizada pela produção insuficiente de lactase, a enzima responsável por digerir as proteínas lácteas, e não tem relação nenhuma com o sistema de defesas do organismo.
No caso das alergias, podem ocorrer também reações cruzadas. Ou seja, a criança que é alérgica a um determinado alimento pode desenvolver alergia a outros. “Aquela alérgica ao leite de vaca pode apresentar reação ao ingerir carne vermelha, por exemplo”, explica Bárbara. Esses casos não são assim tão incomuns: alérgicos a amendoim podem reagir a alguns legumes (5% dos casos), alérgicos a leite de vaca podem reagir ao leite de cabra (100%) ou mesmo à carne vermelha (10%). “Vale a pena lembrar também da reação cruzada entre látex e alguns alimentos como banana, abacate, kiwi, mamão papaia e castanha”, explica a alergologista.
A boa notícia é que, mesmo que haja um diagnóstico de alergia durante a infância, pode ser que o quadro retroceda conforme a criança cresce. “De uma forma geral, os bebês que são alérgicos ao leite de vaca desenvolvem tolerância até 1 ano de idade. Já crianças que apresentam reações imediatas, principalmente a amendoim e frutos do mar, tendem a permanecer alérgicas por mais tempo”, explica Vieira.
Os primeiros sinais de alergia podem incluir desde manifestações cutâneas, como eczema e urticária, até reflexos no tratamento gastrointestinal: cólicas exacerbadas, dores abdominais, sangramentos nas fezes e sintomas próprios de refluxo. Pode afetar também o sistema respiratório, provocando asma e rinite. “Se há suspeita de que a reação alérgica está se manifestando de forma aguda com rouquidão, tosse e falta de ar, a busca por atendimento médico deve ser imediata”, ressalta Vieira.
Os casos contabilizados na pesquisa eram caracterizados por uma reação alérgica grave chamada de anafilaxia, que inclui dificuldade de respiração, baixa pressão arterial, perda de consciência e até risco de morte.
Diante de um diagnóstico de alergia alimentar, a primeira orientação é excluir o alimento que provoca as reações, bem como outros que possam contê-lo em sua composição. “O maior risco para uma reação é a ingestão acidental, quando o alimento está escondido em outro”, explica Bárbara. Por isso, campanhas como a #PõeNoRótulo, criada por famílias de crianças com alergias alimentares que lutam para ter informações claras e destacadas nos rótulos dos produtos, são tão importantes. “As crianças, na maioria das vezes, evitam naturalmente os alimentos causadores e costumam encarar essa restrição de uma forma melhor que seus pais. Por outro lado, frustram-se por não poder ingeri-los principalmente em festas infantis”, completa a alergologista. Por isso, cabe aos pais não apenas proibir o consumo, mas apresentar alternativas, se possível, com ajuda da nutricionista, para que a criança não passe tanta vontade.
Fonte: Revista Crescer