Artigo: Obesidade no Contexto Contemporâneo

No artigo abaixo, o endocrinologista Dr. Nelson Vinicius Gonfinetti, que ministra o módulo de “Dislipidemias, Obesidade e Síndrome Metabólica”, entre outros, na POSFG, escreve sobre problemas metabólicos relacionados ao aumento de peso da população, a relação do consumo de ultraprocessados  e o excesso de peso, e como a obesidade  reflete, até mesmo, em  custos aos governos.

 

Obesidade no Contexto Contemporâneo

Autor: Nelson Vinicius Gonfinetti

INTRODUÇÃO

Existem muitas evidências que um dos grandes problemas humanidade atual está na obesidade e nas repercussões que esta epidemia causa na participação das doenças crônicas, e que ainda são as campeãs nas estatísticas de mortalidade. A incidência de doença aterosclerótica e diabetes correm paralelamente ao aumento de peso da população, mesmo em países subdesenvolvidos ou pobres, diminuindo a expectativa de vida, e que por sua vez, são os principais responsáveis ​​pelos gastos com saúde, invalidez e morte. A melhor definição para obesidade, portanto, é aquela aonde o acúmulo de gordura corporal provoca danos à saúde e influencia no aparecimento de co-morbidades, notadamente acúmulo em locais especiais, como os visceral e intra-abdominal.

Após estas considerações, é consenso que o cerne da obesidade exógena é o balanço energético positivo, aonde a ingestão calórica (energia alimentar) é maior que o gasto energético. Em que pese fatores genéticos, os aspectos ambientais, culturais e emocionais exercem uma grande influência na percepção da fome e da saciedade do indivíduo e na sua relação com o alimento, sendo este desequilíbrio responsável pelo aumento e acumulo de tecido adiposo.

Um estudo relatou que a morbidade relacionada à obesidade é maior do que a associada ao fumo, à bebida ou à pobreza nos Estados Unidos da América (EUA), e o impacto da obesidade nos cânceres incidentes relacionados em 2007 representa cerca de 6% de todos os cânceres no país. Wang et al. estudou a carga econômica das tendências projetadas de obesidade nos EUA e demonstrou que um programa hipotético que possibilita uma redução de 1% do IMC na população americana evitaria de 2,1 a 2,4 milhões de casos incidentes de diabetes, 1,4 -1,7 milhões de doenças cardiovasculares e 73.000-127.000 casos de câncer.

 

CUSTOS GOVERNAMENTAIS COM A OBESIDADE

A luta contra obesidade tem sofrido derrotas em todo o mundo, ao contrário do que se imaginaria com os crescentes investimentos e incentivo na criação de hábitos saudáveis para a superação do excesso de peso, somadas aos gastos diretos e indiretos no tratamento das morbidades decorrentes da obesidade. Estatísticas mostram que o custo total atribuído à obesidade, na economia dos EUA,  foi de 1,4 trilhões de dólares em 2014, considerando as complicações que resultam quando a obesidade não é tratada e progride para outras doenças associadas.

Estes gastos governamentais também não podem ser negligenciados no Brasil. Apesar de dificuldades nas estatísticas, na análise entre 2008 a 2012, uma pesquisa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro revela que o custo total, para o SUS, estimado para um ano com todas as doenças relacionadas ao sobrepeso e à obesidade – câncer, diabetes e cardiológicas – é de US$ 20.152.102.171. As hospitalizações custam US$ 1.472.742.952, e os procedimentos de ambulatório, US$ 679.353.348.

 

ATIVIDADE FÍSICA E OBESIDADE

A associação de sedentarismo e dieta inadequada tem explicado o ganho de peso populacional, a despeito das repercussões hormonais que possam vir como consequência na espiral metabólica nefasta destas condições. Como ponto inicial, a falta de gasto calórico representa um dos aspectos centrais da obesidade cada vez mais frequente. A falta da pratica regular de atividade física esta associada à doença cardiovascular, diabetes mellitus tipo 2, obesidade, alguns tipos de câncer e também a  mortalidade por todas as causas. Este comportamento sedentário das pessoas, definido como atividades que são realizadas na posição deitada ou sentada e que não aumentam o dispêndio energético acima dos níveis de repouso, tem papel fundamental na fisiopatologia da obesidade.

Vale destacar a redução  e/ou a cessação da contratilidade muscular como desencadeador do processo de diminuição da utilização da glicose pelos músculos, do aumento da insulina e do favorecimento da produção de lipídios que serão preferencialmente armazenados no tecido adiposo da região central do corpo, o qual por sua vez produz moléculas  inflamatórias precursoras das doenças crônicas não  transmissíveis. Este dado fisiopatológico oferece uma explicação inicial para o excesso de peso, em especial para o acúmulo visceral dos adipócitos (fígado, músculos, coração e gordura intra-abdominal), com implicações sistêmicas pela liberação de ácidos graxos livres aos tecidos, aumento da resistência à insulina e suas consequências metabólicas.

 

ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS E EXCESSO DE PESO

O processamento dos alimentos, de uma forma geral, tem piorado a qualidade nutricional da dieta contemporânea, apesar de baratear e aumentar o acesso da população aos alimentos. Chamados de ultraprocessados, os alimentos passam por transformações que modificam significativamente o teor nutricional, incorporando sal, gordura e açúcar e tornando estes alimentos mais palatáveis, porém pobres em nutrientes. No Brasil, estes argumentos foram alertados, de maneira consistente,  com a confecção do “Guia alimentar para a População Brasileira”, espetacular trabalho de catalogação dos componentes macro e micronutrientes de todos os alimentos da nossa dieta, conduzidos por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e publicados pelo Ministérios da Saúde desde 2006.

Com desculpas de rotina agitada, muitas pessoas preferem optar pela conveniência de refeições mais fáceis e rápidas de preparar, como comida congelada, alimentos industrializados, nuggets e refrigerantes. Esse tipo de alimentação é geralmente baseada em alimentos ultraprocessadosque além de convenientes, tendem a ser economicamente acessíveis.  Alimentos processados são macios e fáceis de mastigar, fazendo com que as pessoas comam mais rápido, tendo como adicional negativo os desbalanços energético e nutritivo. Adicionalmente, esses produtos fornecem mais de 500 calorias extras por dia, e este descontrole pode significar o ganho adicional de dois quilos ao mês. De acordo com estes dados, a limitação na ingestão de alimentos ultraprocessados é uma estratégia efetiva na prevenção e tratamento da obesidade.

 

O AMBIENTE E A OBESIDADE

Uma das explicações para a epidemia da obesidade em todas as regiões do mundo está concentrada na piora progressiva dos fatores ambientais envolvidos no crescente sedentarismo e na oferta ilimitada de alimentos calóricos, baratos, palatáveis, práticos, mas sem completar todas as necessidades macro e micro nutricionais.

Nos Estados Unidos, por exemplo, estima-se que nos últimos 100 anos o consumo de gorduras tenha aumentado em 67% e o de açúcar em 64%, já o consumo de verduras e legumes diminuiu 26% e o de fibras 18%. Em grande parte este aumento do consumo calórico parece dever-se ao crescimento progressivo das porções de alimentos ao longo das últimas décadas.

Esta tendência à deterioração dos hábitos alimentares sofre grande influência na propaganda de alimentos, em especial deste grupo altamente processado e de custos baixos, em crianças. Acredita-se que uma criança norte-americana assiste em média a 10.000 anúncios de alimentos na televisão a cada ano, sendo 90% deles sobre fast food, sucrilhos açucarados, refrigerantes ou balas.

 

CONCLUSÕES

 

Há muitos anos que está bem estabelecido que a obesidade é uma doença crônica, sem possibilidade de cura estabelecida rotineiramente, e com graves implicações metabólicas que levam ao aumento da mortalidade populacional. Em que pesem os aspectos genéticos e ambientais, inseridos no contexto psicológico e nutricional, a obesidade e sobrepeso representam um desequilíbrio entre o que se ingere e o que se gasta em calorias alimentares. A composição da comida da população tem apresentado piora no quesito processamento, como incorporação de mais gordura e açúcar na industrialização, trazendo às pessoas baixo teor nutricional e alto teor calórico, com porções maiores e mais baratas. Hábito sedentário está condicionado ao menor gasto energético, mais tempo gasto em frente à TV e aparelhos eletrônicos, perpetuando o acúmulo de tecido adiposo. A multicausualidade da obesidade exige ações em diversos campos, quando se aborda o tratamento, e ações visando a oferta de alimentos não processados e estímulo à atividade física.

 

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